
Regulamentação do streaming: entre a urgência e o risco de um "mundo ideal"
- Vera Zaverucha
- 6 de out.
- 3 min de leitura
Por vera zaverucha
A discussão sobre a regulamentação do streaming no Brasil finalmente parece ganhar fôlego com a nomeação do deputado Doutor Luizinho (PP-RJ) como novo relator do projeto. A matéria da Folha de S. Paulo, no entanto, ao focar na perspectiva do novo relator, acaba por escancarar uma visão que, se não for rebatida, pode comprometer o futuro do audiovisual brasileiro.
A urgência é inegável, como aponta o próprio Doutor Luizinho: "o audiovisual brasileiro perdeu muito tempo ao não ter avançado nada". De fato, o setor, vital para a economia e a cultura do país, espera há anos por um marco regulatório que o tire da informalidade e garanta um ambiente mais justo de competição. A demora, como ele corretamente sugere, se deve em grande parte à dificuldade de se chegar a um consenso. O deputado, porém, parece reduzir o problema a uma mera busca por um "mundo ideal", como se as reivindicações do setor independente fossem apenas caprichos de quem "não vai conseguir ser 100% vitorioso".
Essa visão simplista ignora a complexidade do debate. As alíquotas da Condecine, por exemplo, não são apenas números arbitrários. O pedido do setor independente por uma alíquota de 12% tem como base a necessidade de um financiamento robusto e sustentável para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que por sua vez, sustenta a produção de filmes, séries e documentários brasileiros. Reduzi-la para 3%, como querem as grandes plataformas, não é uma concessão para "contemplar a todos", mas sim um esvaziamento do principal mecanismo de fomento à produção nacional.
Outro ponto que merece atenção é a questão da proeminência. O relator acerta ao dizer que a visibilidade do conteúdo brasileiro é fundamental. De fato, é uma "luta" encontrar filmes nacionais nos catálogos das plataformas. Mas a proposta de uma simples "aba de obras nacionais" é superficial e ignora o cerne da questão. A proeminência deve ser um mecanismo obrigatório e efetivo, que garanta a exposição das obras brasileiras em todos os pontos de contato da plataforma, e não apenas em um canto isolado e de difícil acesso. Mais do que isso, essa proeminência deve estar ligada a uma política de cotas de conteúdo nacional, algo que o deputado parece desdenhar. É essa combinação que verdadeiramente promove a diversidade e a riqueza da produção brasileira, garantindo que o público não só encontre, mas também se depare com filmes de qualidade, que refletem a pluralidade do país.
Por fim, a preocupação do relator com a "falta de pessoal qualificado" e a crítica ao "poder público" na gestão dos recursos do FSA levanta uma bandeira de alerta. O FSA, administrado pela Ancine, é um modelo reconhecido de sucesso, que garantiu o desenvolvimento de uma indústria audiovisual robusta e premiada. Desvincular a capacitação profissional do poder público, como ele sugere, é um movimento arriscado que pode abrir caminho para a privatização de recursos públicos e a apropriação dos mesmos por interesses privados, em detrimento do bem-estar coletivo do setor.
Em um cenário de urgência e expectativas, a nomeação de Doutor Luizinho, por sua proximidade com a cúpula do Congresso, pode ser vista como um avanço para destravar o projeto. No entanto, sua visão, focada em concessões e "bom senso", precisa ser lida com cautela. O "mundo ideal" que ele critica é, na verdade, a busca por um marco regulatório que fortaleça o audiovisual brasileiro em sua totalidade, e não apenas que atenda aos interesses do mercado. O desafio do novo relator não é apenas construir um texto que seja aprovado, mas um texto que seja justo e que garanta um futuro próspero para a cultura e a economia do Brasil.
O debate precisa ir além do simples "não ter conflito de interesse". Ele precisa ser pautado pela defesa da soberania cultural do Brasil e pela garantia de que a riqueza de nossa produção seja valorizada e acessível a todos. Será que o novo relator está disposto a ouvir todas as partes e ir além da busca por um texto que "contemple de forma geral a todos", e entregar um texto que realmente defenda o audiovisual brasileiro?
Texto claro e preciso nas questões que aponta. Obrigada, Vera. Você sempre atenta e disponível para informar e contribuir com as discussões. Tania Leite