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NETFLIX WARner

A notícia da aquisição da Warner Bros. pela Netflix por US$ 82,7 bilhões ilustra um cenário de concentração extrema de mercado que torna urgente e crítica a regulação do setor no Brasil, atualmente debatida no PL 2331/2022 (e seu correlato na Câmara, o PL 8889/17). A "péssima regulação" — ou a lentidão e timidez em aprová-la — deixa o mercado audiovisual brasileiro vulnerável a um novo gigante global que detém não apenas os canais de distribuição, mas agora um dos maiores acervos de propriedade intelectual do mundo.

​Abaixo, apresento uma crítica baseada nos principais pontos de atrito entre essa movimentação de mercado e a realidade legislativa brasileira:

​1. Assimetria Tributária e a "Condecine Tímida"

​Enquanto a Netflix consolida um império de quase 100 bilhões de dólares, o debate no Brasil ainda gira em torno de alíquotas de Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional) consideradas irrisórias por parte do setor independente.

  • A Crítica: O PL 2331 tem sido criticado por propor alíquotas (em torno de 3%, podendo cair para 1,5% com atenuantes) muito abaixo das praticadas em outros setores do audiovisual (como a TV paga) ou em mercados europeus. Com a fusão, a nova "Netflix-Warner" terá um poder econômico desproporcional, e uma tributação baixa significa que essas big techs continuarão explorando o mercado consumidor brasileiro massivamente sem devolver uma contrapartida justa para o fomento da produção local.

​2. A Morte da Propriedade Intelectual Brasileira

​A notícia cita a estratégia da Netflix de "construir, não adquirir", que agora muda para uma aquisição agressiva. No Brasil, o modelo de negócios das plataformas de VOD (Video on Demand) opera majoritariamente no sistema de work for hire (encomenda), onde a plataforma paga pela produção mas retém 100% dos direitos patrimoniais (Propriedade Intelectual).

  • A Crítica: Sem uma regulação que obrigue a retenção de parte dos direitos para os produtores independentes brasileiros (como sugere parte do setor produtivo nas discussões do PL), as produtoras nacionais viram meras prestadoras de serviço. Com a fusão, a Netflix ganha ainda mais poder de barganha para impor contratos leoninos, impedindo que o Brasil crie um patrimônio audiovisual próprio que possa ser monetizado no futuro.

​3. Visibilidade e Soberania Cultural (Cotas)

​A fusão concentra franquias globais (Harry Potter, DC, Game of Thrones) e originais Netflix em um único aplicativo.

  • A Crítica: Sem cotas de tela robustas e regras de proeminência (obrigação de dar destaque ao conteúdo nacional na interface) definidas no PL 2331, o conteúdo brasileiro corre o risco de desaparecer nos algoritmos. A "péssima regulação" é aquela que não garante que o assinante brasileiro sequer veja a produção do seu próprio país em meio a um mar de conteúdo estrangeiro agora unificado sob uma única gigante.

​4. Ameaça à Diversidade e aos Pequenos Players

​O texto do PL 2331 e as discussões no Congresso sofrem forte lobby das big techs para reduzir obrigações.

  • A Crítica: A fusão Netflix-Warner cria um ente com poder quase monopolista. Uma regulação fraca permite que esse ente dite preços, sufoque concorrentes menores (como o Globoplay ou plataformas de nicho) e homogenize a cultura. A falta de travas regulatórias contra a concentração vertical (ser dono do estúdio e da plataforma) repete os erros que os EUA tentaram evitar no passado com a Lei Paramount, mas que o Brasil parece ignorar ao deixar o mercado se autorregular.

​Em suma, a transação bilionária reforça que o Brasil não pode mais tratar a regulação do VOD como uma questão menor ou meramente tributária; trata-se de defesa da soberania cultural e econômica diante de conglomerados que operam com orçamentos superiores ao PIB de muitos países.



Vera Zaverucha



 
 
 

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SOBRE A VERA 

Com mais de 30 anos de experiência na área pública, Vera ocupou diferentes cargos nas principais instituições responsáveis pelas políticas públicas para o audiovisual e pelo financiamento do setor cinematográfico no Brasil
De forma didática e clara,
Vera consegue aproximar o conteúdo para diferentes públicos e ajudar aqueles que buscam se reciclar ou querem conhecer mais sobre a área. 

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